Sunday, February 11, 2007

O novidadeirismo



A passagem para o segundo milênio disparou uma série de revivals mundo afora. É almanaque dos 60'S,70's, 80's e já vi uma entrevista dizendo que o almanaque dos 90's está a caminho. Nada contra(até por fazer parte dessa geração que como eu amava os Smiths e o U2, amava a Legião Urbana e o Cazuza).No meio dessa febre,algumas perguntas não querem calar:
Esse século carece de coisas inspiradoras? a criatividade está em crise? diante de tanta informação, já não dá mais pra filtrar o que é relevante do que não é,mergulhados que estamos no turbilhão das informações que voam à velocidade da luz? ou estamos fadados a lei de Lavoisier?como diz o grande filósofo Fatboy Slim, diz ai!

Outra indagação mais simples: Será que de fato, nunca mais houve um momento de ineditismo no mundo Pop/Rock desde os Smiths?O engraçado, (em minha leitura pessoal de leigo), é uma séria onda que se instalou em alguns segmentos da inteligentzia brasileira, que eu vou chamar aqui de "Novidadeirismo"(que me perdoem se já existe o termo e eu pareça querer se um neologista atrasado).

Vejo um interessante paradigma se instalando em alguns segmentos da imprensa musical mundial e confirmado em alguns bate-papos com meus amigos indies, sedentos de novas bandas.A fórmula é bem simples: O que é novo é bom,o que é velho é ruim.

Dois problemas filosóficos sérios se instalam aqui. Um: o que é "velho"? Dois:o que é "Novo"?
Vejamos alguns incensados exemplos de bandas "novas" que são as novas darlings da imprensa.
Pra surpresa de boa parte do mundo, vem da Escócia uma banda que sacudiu o mundo pop/Rock .O Franz Ferdinand despontou no mundo com seu visual esquisito(de escancarada alusão aos modelitos utilizados pelos exércitos de alguns ditadores que desejaríamos que nunca houvessem existido),a poderosa voz de Alex Kapranos, a precisão de seu baixista, mas, principalmente, ao diálogo bateria/guitarra de seus músicos. O punk/pós-punk revisado com os seus melhores ingredientes. A imprensa caiu de quatro, a Mtv tocou "take me out" à exaustão e o Franz conquistou o mundo.Maravilha. Só não gostei quando ouvi aquela conversa de "a última banda original do mundo". Meu coração Smithiano tremeu nas bases. Quem ouviu Gang of Four como eu na década de 80 sabe muito bem do que eu tô falando. Quem não ouviu, compre ou baixe(ainda tem volta?) "Entertainement" o clássico deles , bíblia de Kapranos e seus asseclas e entenda porquê a devoção à banda.Fiz um teste com um amigo que cata bandas novas a cada semana na NME.Coloquei pra ele ouvir o referido Cd. Pergunta dele: o Franz lançou Cd novo?quando? falei que aquela banda tinha quase 30 anos(entertainment é de 1979!!), meu amigo não acreditou. E só pra citar algumas bandas que dvem até as cuecas pro Gang of Four: Red Hot,Kaiser Chiefs,Killers, The Bravery,entre outras pra esse texto não ficar mais longo ainda.

Outra cultuada banda, (essa de New York) injetou sangue novo no Pop/Rock. Os Strokes tiraram todos os excessos guitarrísticos e deixaram em seu instrumental só o essencial: riffs certeiros,baixo seco e dançante(isso não lembra uma outra certa banda dos 80's, Mr. Ian Curtis?),letras bem sacadas,belas melodias. E tome "a mais original banda do mundo". Que ouviu Tom Verlaine e o seu Television na década de 80,sabe que a coisa não é bem assim. Ouça o Cd "Marquee Moon" e veja se não muda de idéia.

Outra banda cultuadíssima, trouxe à tona a velha fórmula Rock'n roll infálivel: Hormônio+guitarras+energia+honestidade= sucesso. Os Arctic Monkeys com atitude(que medo dessa palavra!)dentro e fora dos palcos(já eram estrelas antes de chegar nas majors, distribuindo cds de graça em seus shows) sacudiram o marasmo das rádios Inglesas "cabeças" com sua simplicidade,misturando Clash(e quem não foi influenciado por eles de 80 pra cá?), Sex Pistols,Ramones e de novo o Gang of Four( a onipresente).

E o que dizer da relação Oasis/Beatles? Inrterpol e She wants Revenge/Joy Division.

O super-incensado Brian Molko do Placebo, até hoje bebe na fonte do do Sr Marc Bolan do T.Rex, (até aquela voz fanhosa) e, principalmente do Sr. David Bowie, chegando até a gravar uma maravilhosa canção com ele(without you).O mesmo Bowie que quando muitos pensavam que não era mais capaz de produzir algo digno de sua grandiosidade, trouxe "Reality" à tona, calando a boca dos sem-memória.E por aí vai... E antes que vc diga: O que é que esse jurássico tem contra as minhas bandas/compositores prediletos? a resposta é : nada. Ao contrário. Adoro todas(particularmente de mister Brian Molko que é um letrista como a muito eu não via) tenho Cds, Dvs,entrevistas, artigos, revistas, etc. O que quero aqui é deixar a reflexão de que envelhecer não é perder a sensibilidade, o talento a capacidade de fazer boas canções que te causem aquela sensação de estar sendo traduzido.A sensibilidade não é um atributo só de hoje e não nasceu na virada do século.

Se vc teve paciência pra chegar até aqui, deve estar se perguntando: onde é que esse projeto de crítico autodidata quer chegar? A resposta é dada por dois Gênios e dois de seus lançamentos: Bob Dylan e Stephen Morrissey.

Dylan, que é gênio desde os 60 e viu todas as modas passaram por ele, resistiu ao teste do tempo.Ao ouvi-lo em "Modern times" (seu trabalho de 2006)com a mesma profundidade, lirismo, inteligência,consciência intacta(depois de alguns tropeços, é claro. Quem não os fez?) é uma festa pra alma.

Mais confortador ainda pra mim(pela representatividade dos Smiths para aminha geração) é ouvir Morrissey com a mesma sensibilidade, cinismo,inteligência, a acidez de sua "big mouth",que eram a marca registrada de suas canções nos Smiths. Não são muitos caras que confessariam o que esse senhor confessou ou teve a coragem de críticar em "you are the quarry"(seu trabalho de 2004).Se vc tiver curiosidade ouça "America is not the world" onde fala de uma américa "where the president is never black, female ou gay"ou "I have forgiven Jesus" onde diz: "For all the desire, You placed in me when there's nothing I can do with this desire".Estes caras são um alento, a resistência contra a truculência e burrice que imperam na maioria das rádios perdidos entre o chóróró Emo, os forrós de 6a categoria(Jackson do Pandeiro e o velho Lula, lá de cima, devem estar injuriados ao ver o que estão fazendo com o santo nome do forró em vão...)um monte de marmanjos de calças arriada gritando Yô! e dizendo que é Rap(vão ouvir 2Pac,Dr Dre,Public Enemy,Snoop Dogg,Afrika Bambatta pra aprender como é o traçado!)e os eternos axés com seus problemas com o solo("tira opé do chããããããão!argh!!!alguém ainda aguenta?)e sua coreografia de mãozinhas pra cima. Tenham dó!Logo a Bahia que pariu Raul,Camisa de Vênus, Caetano, Dorival Caymmy.Aliás , o próprio Caetano calou a minha boca com seu impressionante vigor em Cê seu mais novo trabalho.

Se todas as outras bandas aqui citadas vão resistir ao teste do tempo, eu não sei. Mas te asseguro que enquanto houver música e alguém que goste de um bom texto, Morrissey , Bowie, Dylan e Beatles vão ser citados, ou tocados em algum violão de algum menino(a) aprendendo a tocar. Aliás , vc consegue imaginar a música atual sem a influência deles? eu não.

Portanto, antes de criticar aquele velho cantor e compositor em detrimento do novo hype da estação, saiba que se não fosse por eles, muitas das coisas que vc ouve hoje e considera "muderna",nem existiriam. Parece que vivemos condenados à infantil fantasia de ser eternamente jovem, e ao envelhecermos, perderemos a competência de tudo.
E pra terminar, citando outro gênio emulado até a alma, fico com a profecia de Bob Marley: Time will tell. O tempo dirá.

Já disse Marley.