Saturday, March 10, 2007

FEIRA DE ATITUDES


Lembro de uma certa polêmica quando Humberto Gessinger em "Terra de gigantes" disse: /a juventude é uma banda/em uma propaganda de refrigerantes/. Houve duas reações. Uma mais niilista, considerava um verso pobre, de um compositor mediano que por falta de um talento maior, não sabia capturar aquele momento e traduzi-lo em uma canção relevante. Outra, via no verso, um feliz acerto poético do jovem compositor que soube, em canção, definir o sentimento de espanto de como a mídia tinha se apoderado da idéia de "juventude" e transformado-a em um produto altamente rentável, engarrafando-a e transformando-a em objeto de consumo. Nenhuma novidade até aí, desde que o marketing é marketing a idéia é vender.

Um pouco depois, um Cazuza iluminado, matava a idéia ingênua e romântica de que os ídolos do olimpo rockn' roll eram sempre e somente grandes inimigos do sistema, e, com a coragem e ousadia que lhe eram peculiar e que lhe permearam toda a carreira, destronou a todos (inclusive a sí mesmo) e auto-flagelou-se dizendo: /aquele garoto que ia mudar o mundo/frequenta agora as festas do grand-monde"/ e em apoteótico refrão que traduziu o sentimento da geração oitentista , clamava por uma /ideologia pra viver/.

E por falar em traduzir o sentimento de gerações, Renato Russo já também tinha esse sentimento de desesperança em relação a sua geração e asseverou com escancarada ironia /somos o futuro da nação/somos burgueses sem religião/geração Coca-cola". Renato e Cazuza foram embora, Humberto continua produzindo canções relevantes, só que bem mais distante da mídia.

Recapitulando:

O The Who, nos 60's com "my generation" já falava sobre o sentimento que regia a ebulição cultural da época, preferindo morrer a envelhecer (I hope I die/ before I get old/). No meio dos 60's Mick Jagger e os Stones não conseguiam se satisfazer com aquela década (I can’t get no/satisfaction). No final desta mesma, Lou Reed e o seu Velvet Underground com seu mimetismo musical, sujeira e criatividade imprimiram sua marca definitiva no universo Pop aliados ao vanguardista Andy Warhol e os artistas da Pop Art. Lou Reed e o Velvet Underground adentraram os 70’s convidando aquela geração para conhecer o lado selvagem da vida /baby/ take a walk on the wild side/. Aquele corinho de prostitutas cantando aquele tchururu, até hoje soa moderno e atemporal

Jim Morrison no começo da década de 70, já dizia: /They got the guns
But/we got the numbers/(eles tem as armas/mas nós somos maioria).

Depois, um alien chamado Ziggy Stardust baixou num humano e David Bowie sacudiu o mundo pop apresentando a androginia e a liberação sexual como marca daquele tempo. Em 74, com “Diamonds and dogs”, ele dizia (You've got your mother in a whirl/Shes not sure if youre a boy or a girl.../You want more and you want it fast/rebel, rebel/
Esses artistas renovaram a cansada estética hippie com seus novos horizontes estéticos.

Coube a Ian curtis no final desta década,em "She's lost control" captar aquele momento e dizer que "Ela" estava fora de controle(she's lost control/again)e aos Sex Pistols chutar o pau da barraca propondo como antídoto contra tudo aquilo, a anarquia total("anarchy in the U.K").

O Suede em "So young" inaugura os anos 90 convidando em sua magnífica canção, que "assustássemos os céus com nossos olhos de tigre, porque ainda somos jovens"(Because we're young/because we're gone/We'll scare the skies/with tiger's eyes), inaugurando o Britpop que seria a bola da vez daquela década em crise pela perda de Curt Cobain que fizera o grande abalo sísmico com seu “Nevermind” ao transformar o underground em mainstream. Ele sacou, frustrado, que a coisa toda era, no fundo, entertainment: / here we are now/ entertain us/.

Lá vem o projeto de crítico mal acabado de novo, enrolando pra dizer o que quer...
Enfim.

2004. Marcelo Camelo do Los Hermanos é vítima de violência do vocalista do Charlie Brown Jr. Razão: o vocalista não gostou de um comentário que o compositor fizera em um artigo de uma revista, dando sua opinião sobre o que considerava esse negócio de “vender atitude”, referindo-se ao comercial de uma marca de refrigerante em que o vocalista participara (veja e tire suas conclusões). Na época, entrei em alguns sites de ambas as bandas e me impressionou a elegia que alguns fãs do Charlie Brown fizeram ao que consideravam a “atitude rockn’roll” que o vocalista teve. Afinal, Chorão era macho e “não tinha sangue de barata” (conforme eu li). Nesse dia eu me perguntei: “ATITUDE ROCKN’ROLL”? QUE DIABOS FIZERAM COM A PALAVRA ATITUDE?ATITUDE AGORA VIROU SINÔNIMO DE VIOLÊNCIA TAMBÉM?

2006. Tô eu folheando uma revista de música, quando deparo com aquela preciosidade na minha frente. Falei: já vi esse filme antes! Vejo lá o CPM22 fazendo a “promoção atitude”(!!!!). PROMOÇÃO ATITUDE? Como assim? Atitude agora é promoção?

Depois disso me perguntei: Meu Deus será que ainda tem alguém que acredita nessa balela de “atitude”? Será que ainda é aceitável que vejamos ícones do Pop/Rock descartável e acéfalo com esse discurso em entrevistas de “atitude” em pleno século 21, com toda a informação disponível? Alíás, atitude o quê? O substantivo “atitude” faz sentido sozinho? Não sou professor de português, mas, ele não precisa de um adjetivo para lhe dar qualidade?

Agora vou falar:

Atitude deplorável - é quando um político corrupto que nos elegemos pra defender os interesses da nação, participa de lobbies e rouba descaradamente sob a proteção da lei, com total impunidade.

Atitude honrada - é um trabalhador encontrar um envelope cheio de dólares e devolver para a polícia. Depois de ser perguntado por que devolveu, simplesmente dizer: porque não era meu !

Atitude revolucionaria - é quando um negro sai dos guetos onde a estratificação social o condenou, e lutando contra todas as estatísticas e pressões sociais, vence pelo seu talento, trabalho, persistência . Seja qual for o campo que escolheu. Seja um Bob Marley, Um Biko, Um Martin Luther King ou um João-ninguém.

Atitude covarde e bárbara - é quando um ser humano brutalizado arrasta uma criança por vários bairros até que o mesmo morra, fazendo um país inteiro se estarrecer e comover, e, rezar para que ele (o garoto) não vire mais uma estatística:

E pra voltar para a música:

Atitude honesta - é quando Neil Young empunha sua guitarra e toca, mesmo que sem virtuosismo, o mesmo som direto e cru, sem nunca ter sucumbido a modismos, só porque o mercado pedia.

Atitude de coragem e ousadia - è quando os Beatles enchem o saco da própria mina de ouro que criaram e foi chamada de iê-iê-iê,(aliás, deliciosa e divertida) e, movidos por desejo de fazer arte, apresentam “Rubber Soul”, depois “Revolver” e culminam naquele que provavelmente foi o CD mais influente do mundo pop até hoje (Sargent Peppers)

Atitude visionária - é quando o mundo boquiaberto com a potência criativa do Mr creep, Thom York , espera que ele faça mais um “Ok, computer” e, ele quebra tudo, fazendo um CD quase eletrônico, nem um pouco preocupado em segurar o cetro de o “Pink Floyd dos anos 90” e disponibiliza o CD inteiro de graça na internet para desespero da gravadora e depois, lança o CD oficialmente e vende na Inglaterra, naquele ano, mais do que Madonna, Michael Jackson e todos os grandes ícones pop daquele momento, deixando a reflexão que o jeito de se entender o produto música, tinha mudado.

Atitude de desdém – é quando o Sr. Frank Black e seus Pixies, rejeitam o titulo de Melhor banda dos anos 90 por não ter vontade de mudar o shape que a estética rockn’roll exigia para aparecer na MTV (Frank era gordinho e nunca deu a mínima pra isso)

Atitude debochada – é quando o Sr. Brian Molko divide o palco com o Limp Bizkit, e, só pra sacanear o “modelo testosterona de rockn’roll” faz um show vestido de vestidinho vermelho e toca mais e melhor do que o Sr. Fred Durst jamais tocou.

Atitude admirável - é quando Bob Marley sai lá do interior da Jamaica e, com inabalável fé e seriedade, incendeia uma Europa branca e etnocêntrica com talento e inspiração.

Atitude rebelde - é quando seu Lobão peita toda a indústria fonográfica brasileira e lança seu CD em bancas de jornal por um preço justo e denuncia o jabá e os ganhos estratosféricos das gravadoras que deixam para o artista um mínimo por seu trabalho intelectual.Por isso, foi banido das rádios e apesar disso, vendeu mais de 100 mil Cds, perambulando de rádio independente em rádio independente, de faculdade em faculdade mostrando seu produto artístico. O mesmo exemplo deu Os Racionais Mcs, que, totalmente alheios à mídia, são unanimidade de público e critica e vendem seus próprios Cds pelo Brasil em seus shows. Só o Impactante e essencial “Sobrevivendo no inferno” ultrapassou a marca de 1 milhão de unidades! Vou parar por aqui para não ficar mais extenso do que já ta e não lhe cansar mais ainda. Porém, tenho certeza que você também tem alguma atitude-alguma-coisa pra citar.

Sem a ingenuidade de que a arte não precisa de suporte financeiro pra acontecer. Nada contra um artista ter um patrocinador que acredita em seu produto artístico, pra lhe dar condições de trabalhar direito, com estrutura decente, com bom som, boa luz, pra levar um bom espetáculo para seu público. Tenho banda e adoraria poder levar um show com toda estrutura que desejamos, patrocinados pelo armazém do seu Zé, ou pelo Microsoft. Não é disto que eu estou falando. Só tô falando de banalizar as palavras para representar qualquer coisa, de não ser vitimado pela mídia, pela indústria do disco, da moda, e virar um alienado, repetindo conceitos que nem se sabem o que querem dizer. Daqui a pouco vai ter gente “espirrando com atitude”, “roncando com atitude”. “dormindo com atitude”. Francamente...

É isso.


Ah, a promoção já acabou.

A atitude-sei-lá-o-que também.

Alguém ai tem uma atitude pra vender?