Thursday, January 03, 2008

QUEM É ESSE TAL DE POP?




Estava eu numa certa locadora de cds e dvd's garimpando alguma gema, quando, de repente, ouvi um curioso diálogo. Era mais ou menos assim:

- Pô cara, até gostei deles no começo, no primeiro cd, mas aí eles viraram pop, se venderam.

Fiquei curioso para saber de quem o rocker falava, mas, dando de cara com o duplo do Blondie, lembrei que tinha que cuidar da minha própria vida. Aproximando-me pra pagar, meu desconhecido e trincheirista amigo continuava:

- Pô, outro dia, zapeando na tv a cabo, ouvi o som deles num desfile de moda! Que porra de banda de rock é essa que é fundo musical de desfile de moda?

Eu, que tenho banda e adoraria ver e ouvir minha música num desfile, sem nenhuma culpa pensei: uh huh! Viva o fundamentalismo rock! Viva o limo! Lembrei do velho
Nietzsche falando sobre o acúmulo da poeira, o montão da mesmice. Que venham os ventos que sacudam essa podridão bichosa! Aliás, abaixo o fluxo da vida, que é dinâmico!Argh! Aproveitando o embalo, vou até sugerir que defensores da moral, idoneidade e pureza do rock criem um partido. Recomendo inclusive, a criação do: Fundamentalistas Unidos Dedicados à Essência Única, o F.U.D.E.U. Sugiro ainda que eles estendam essa postura purista para todos os setores de sua vida, por exemplo, na sexual, que eles passem a transar em uma posição só, no máximo duas, porque esse negócio de experimentar, de mudar, de variar, é mesmo um absurdo. Pobres namoradas...

Ai vem os clássicos chavões, certamente você já ouviu um desses:

- Pô, o repertório dele tá muito pop.

- Essa bandinha é pop.

- Pop é o caralho! Rockn’roll na cabeça desses otários! (ai meu fígado! Logo o rock, a coisa mais “pop” do mundo).

Ou alguns autoproclamados artistas ou banda que se dizem “o pesadelo do Pop”. (que meda!).

Enfim:

Primeiro tem-se que perguntar: de que conceito de POP você está falando? Porque o termo POP sugere muitas concepções e sua definição não é nada fácil. Vamos aqui centrar em três dos mais conhecidos e definidos conceitos de POP.

Vamos à primeira:

Você está falando daquela proposta ensaiada nos anos 60 por várias bandas e/ou artistas solo e definitivamente formatada pelos fab four?(sempre eles...) porquê antes deles era assim: rock pra um lado, funk para outro, folk para um lado, música clássica para outro. Aí chegaram os 4 rapazes de Liverpool e disseram: que besteira é essa? Vamos colocar o que quisermos junto. E aí nasceu um dos conceitos mais agregadores da música contemporânea: A musica POP. Nela era possível pegar o que todos esses estilos tinham de melhor, juntá-los e criar algo único. O formato era "popular", (estrofe I+ bridge + refrão+ estrofe II+ refrão, nem sempre nessa ordem, mas normalmente obedecendo a esse formato). Tava formatada a fórmula, só que com mais um desafio: era importante que o poder de síntese fosse muito grande, fizesse a mágica acontecer em 3 minutos. Era pra ser assim, sintético, avassalador, mortal, contar a história toda nesse tempo.


Não, eu não estou dizendo que os Beatles criaram a fórmula sozinhos, só estou dizendo que com eles ela foi para as grandes massas (era pra ser popular, lembra?) e com Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, foi alçada a categoria de arte, respeitada, banhando-se de todos os elementos da cultura da época (o conceito gregário permitia isso). Aí, emulando Bob Dylan, The Velvet Underground, The Byrds novas temáticas entraram no imaginário musical popular. Vou parar por aqui porquê senão vou acabar falando só sobre eles, o que, aliás, seria absolutamente justo.


Agora se você entende a música pop como a MÚSICA DE MERCADO... Música TAMBÉM É UM PRODUTO, é um produto intelectual, mas é um produto, e não há mal nenhum que seja, ou demérito, ou você acredita que os caras que entram na música não gostariam de ganhar bem, viver dignamente do que produzem, ou serem milionários?Poucos tiveram a honestidade de um Frank Zappa ao declarar irônica e abertamente "In it for the money" (nessa, pala grana), coisa que o ótimo Supergrass fez muito anos depois. É aqui que começa a confusão. É que mesmo se encaixando no primeiro conceito mencionado, o POP também tem esse viés (e que outro estilo não o tem?). A industria pop faz ídolos a granel, para vender como vende uma mercadoria. Se um produtor vai pegar o Interpol. , que é uma banda com uma muito bem cuidada identidade visual, ou o Franz Ferdinand, que também possui a mesma característica, e cria uma estratégia para vender a imagem da banda para que o som chegue a um publico maior, não há nenhum mal nisso, o que é reprovável, é quando se vende uma imagem que não existe, sem consistência conceitual, falsa. Eles pegam todos os clichês do imaginário que se tem de todos os estilos e embrulham num pacote e vendem, normalmente, para adolescentes sem muita capacidade crítica ainda (apesar do excesso de informação disponível), buscando modelos de identidade para se espelhar. São caras que se sentam ao redor de uma mesa com marketeiros, e fazem sondagem do que o consumidor alvo irá ouvir no próximo verão, criando a próxima moda da estação, escolhem as roupas, os compositores. Estão aí as boys/girls band até hoje infernizando nossos ouvidos e olhos com suas músicas e suas coreografias pra não me deixar mentir, ou as novas bandas de forró com seus nomes compostos, distorcendo o legado deixado por Luís Gonzaga e Jackson do Pandeiro, ou a alegria profissional do axé music com sua felicidade fake enlatada e suas coreografias robóticas. Há exceções? Deve ter. Não sou o dono da verdade, essa é só a MINHA OPINIÃO. Quando a música é tratada assim SOMENTE COMO PRODUTO, perde o seu caráter de arte (lembra?é arte também!ou não?)

Há ainda uma terceira vertente muito curiosa. È a que afirma que pop é SOMENTE música sem conteúdo, porque o conteúdo mesmo está no Underground. A arte de verdade só é possível nos porões, longe das grandes massas que são controladas pelo sistema (argh! O sistema!). É uma teoria muito comum no meio rock e que se coloca como resposta (normalmente testeronada), como alternativa de combate ao “capitalista” pop. Como se pop fosse uma coisa pejorativa e o rock sim, fosse a coisa séria, anticomercial, "alternativa". Francamente! Os Rolling Stones lucraram, 300 milhões de dólares em sua última turnê, Kurt Cobain era um milionário, o egocêntrico Sting e o excepcional The Police, embolsarão ao final da turnê da volta, 20 milhões de dólares, cada um. Os grandes ídolos do Panteón Rockn'roll vivem vidas suntuosas e os caras ainda me vem com esse discurso! É ser ingênuo demais, ou desinformado! Quantos porões underground esse junkie careta que vos fala já foi e ouviu o clichê do clichê, a sub-merda do estereótipo, que por estarem nos porões não lhes davam mais talento do que realmente tinham. Submundo não dá talento pra ninguém, nem mansão, nem refletor e mídia. Sinceramente, não largaria de ir pra um mega show do Justin Timberlake, da Nelly Furtado ou do Timbaland em nome de uma ideologia equivocada de louvor às sombras. Porra, underground é nome de boate, de grife, de loja e ainda me aparece alguém com esse discurso! Quero ir ao um BOM SHOW, ver um ARTISTA/BANDA TALENTOSO(A). Se vai estar em um buraco ou num mega palco de uma bem estruturada e famosa casa, não me importa.

Há uma outra teoria muito parecida com essa, também niilista, aparentemente diferente, mas de igual teor, são os defensores da nossa “verdadeira música” : a MPB (Dãn!) sob a justificativa militante, patriótica e acadêmica, do pop (qual?) ser muito “vazio”, “sem conteúdo” muito “americano”, (ainda vou escrever sobre isso...). Ás vezes, parecem exegetas que pararam no tempo, com esse rótulo redundante, excludista e burguês chamado de MPB. Porque o certo mesmo é a poesia! (perdoai são Rimbaud...). Nesse caso, quanto mais falar das relações com o ser amado em toda a sua profundidade, melhor, de preferência de forma contemplativa, ou então com um certo ar Nerudiano (e ainda usam o santo nome de Neruda em vão...). E tome coisas do tipo: teu corpo, teu cheiro, teu gosto...e musas ideiais, perfeitas. Eles ainda tem a falta de cultura e curiosidade pelo novo de ousarem achar que tudo que é pop é ruim, ou pior é comercial (argh!!!!), porque eles adoram esse discurso! Como se as divindades do Olimpo Mpbista, não fossem um produto também .É muito importante, nesse contexto, conhecer Neruda, Maiakovski, Leminski, Pessoa, para ganhar esse verniz de “intelectual” que eles tanto apreciam. Não que não seja importante conhecer as obras desses autores. Só duvido que João do Vale, que era analfabeto e mais gênio que uma pá dos habitantes do Olimpo, conhecia algum deles. Não lembro de nenhuma citação dele em nenhuma de suas músicas, no entanto, ele produziu uma das obras mais consistentes do Brasil até hoje. Não, a culpa não é da grandiosa obra desses autores por tal heresia de concepção. É dos Mpbistas.

E os benditos tributos? E tome tributo a Chico (sempre...) a João Bosco, a Tom Jobim. Será que tem alguém que ainda duvida da genialidade desses caras e toda a valiosíssima contribuição que eles deram para a música? Creio que não. Mas, porra, será que não há além deles, nenhum artista contemporâneo digno de homenagem? Porque sempre os mesmos? E os bons e relevantes trabalhos que vem fazendo Moska, Lenine, Baleiro? Por que não se toca Sergio Sampaio, Simonal, Tim Maia, Cassiano, Mutantes nos bares? Medo de arriscar? É mais confortável não correr riscos, né? O dono do bar pode não gostar? Vai vender pouca cerveja?

Proponho um TRIBUTO AO NOVO uma vez por mês, só pra exercitar a curiosidade, a instigar, provocar, conhecer coisas novas, informar, discutir. Porque onde não se discute, onde todo mundo pensa a mesma coisa, fala a mesma coisa, ouve a mesma coisa, cristaliza-se a preguiça, a inércia, envelhece-se, as pessoas ficam chatas e monotemáticas, tem-se a mesma opinião formada sobre tudo, citando aquele sábio Bahiano do tempo que a Bahia ainda tinha a capacidade de se rebelar e quase tudo não terminava em coreografia.

Quantos shows de MPB eu já fui em que presenciei, tanto na mira dos grandes holofotes, nos ginásios, estádios, como no “underground”, cheios de um cabecismo intransponível e inacessível.(aliás, underground não, porque é palavra americana e eles não gostam...).E quantos novos trabalhos (novos?) com o mesmo tema, o mesmo timbre, a mesma batida (mais do mesmo), na zona de conforto da mesmice, que só por se dizerem defensores da “verdadeira música brasileira” acham que justificam sua preguiça intelectual, sua apatia criativa e acabam virando produto exótico pra gringo ver (logo eles, que tanto condenam o imperialismo americano!! Quanta incoerência, quanta INSENSATEZ...) Depois terminam suas carreiras apresentando-se gloriosamente no... CARNEGIE HALL! (no words...).

Pra esses, a fim de manter intacta a pureza da “nossa autêntica música”, sugiro a criação do partido co-irmão do F.U.D.E.U. A sua versão bossa nova. Refiro-me ao partido: Juntos Avante! Movimento Organizador Reestruturador Revolucionário Emancipador Único, o J.A. M.O.R.R.E.U.
Mas, não tem problema, a música Popular Brasileira é muito maior e melhor do que a MPB, se é que me entendem...

Uma última nota: procure se lembrar de uma outra característica da música POP: ela tem apelo popular, e se você entende isso, vai derrubar muitas barreiras.Quer saber, nesse sentido, pra desespero dos fundamentalistas musicais, a banda Calypso é tão pop quanto Los Hermanos! Ou vai dizer que eles não eram ou ainda não são? É muito engraçado o axioma que se escancara nesse tipo de raciocínio, é assim: ser popular é ser ruim, porque pra eles, bom mesmo é aquela banda que pouca gente conhece, porque se romper isso já perde o glamour de "para poucos". Ou seja meu amigo, quebre o seus discos do Smiths, do Gang of Four e Velvet Underground (Beatles então... é heresia!) que já são muito populares.Destrua os do Walter Franco, e o Tim Maia da fase Racional, mas, principalmente, incendeie o dos Mutantes (ou o que restou deles...) que já fizeram até excursão na América do Norte!

Aí, eu que não sou músico, me pego perguntando:
- Bethoven com sua repetições(característica constante na fórmula pop) da 9ª sinfonia, não poderia facilmente ser considerado um compositor pop? Aliás, a música clássica já não foi a música popular um dia? Ou você acha que o mundo já nasceu com a Mtv, o Myspace e Youtube e Mozart disputava espaço na preferência popular com a tataravó da Beyoncé ou da Rihanna?

- O Trash Metal, o Jazz, o Reggae, possuem um público amplo de apreciadores, não podem ser, portanto, considerados POPS? O mesmo valendo para a bossa nova?

Sim eu sei, a música pop pode ser às vezes óbvia, repetitiva, presa a fórmulas, limitada, sem originalidade, banal, mas quer saber? Metade da música dita ”underground”, “rock” ou “verdadeiramente brasileira” também pode ser acusada de exatamente a mesma coisa. Talvez seja hora pra dar uma revisada em alguns atavismos, algumas idéias, abrir a cabeça e se permitir mais, ter uma postura mais contemporânea, menos conservadora frente à arte.Não tô falando em se nivelar por baixo não.Tô falando que se alguns se permitissem mais, tivessem mais curiosidade, mais informação, não construiriam esses pré-conceitos (com hífen mesmo), e principalmente, teriam mais propriedade para falar sobre o que conhecem.Talvez novos horizontes se abrissem, novas formas de enxergar o mundo e dialogar com ele. É melhor do que, mais uma vez, citando aquele certo louco sábio, ter aquela velha opinião formada sobre tudo. Talvez passassem a respeitar e reconhecer que também existem grandes artistas POPS que também são realmente bons. Como disse o jornalista carioca Arthur Dapieve: “são artesãos altamente qualificados”. Inclua aí: Paul McCartney, Brian Wilson, Johnny Mar e Morryssey, Madonna , para citar alguns artesãos estrangeiros. Por falar nela, você certamente já ouviu algum comentariozinho infeliz do tipo:

- Madona? Isso é música pra viados!

Além de revelar preconceito, que por si só já é ridículo e anacrônico, a frase revela o muro de Berlim que algumas cabeças insistem em manter erguidas. Madonna, legitima camaleônica da família de outro grande artesão,(Mr David Bowie) há anos, especializou-se em fazer um POP maiúsculo com a maior competência possível, produzindo música de alta qualidade, sempre muito antenada com a produção musical contemporânea e entra na terceira década, imprimindo a marca de seu talento à revelia de puristas, moderninhos, indies, fundamentalistas musicais e outras facções. Outros discípulos, seguem dando exemplo de competência a despeito do olhar de desdém dos críticos mais radicais. Justin Timberlake, por exemplo, apesar do estigma da ex-boys band, segue surpreendendo com seu pop radiofônico com pé no R&B. Aliás, sobre isso, parece que depois da metade da primeira década passar emulando o divertido pós-punk, parece que nessa segunda metade o caminho é beber no soul, no funk. É back to black “, como diz a Rêbordosa, pinguça assumida e versão de saias de Pete Doherty , a boa Amy Winehouse. Pops até o talo, eles nem por isso, são menos competentes que uma igreja de saudosistas que não dialoga com o passado pra olhar pra frente. São viúvas do passado em eterna lamúria, inimigos do hoje, rejeitam o agora. Viúvas eternas de Roger Waters, viúvas de Page, viúvas de Axl Rose, viúvas de Coverdale, viúvas de Malmsteen, viúvas de Renato Russo, viúvas de Chico Buarque, que ao contrário de todos eles, continua comendo Deus e o mundo!

Não, eu não deplorando a obra destes artistas e nem negando sua representatividade para o universo musical. Embora não me identifique ou admire o trabalho de alguns, reconheço sua representatividade para o desenvolvimento de seus estilos.

Por aqui, em Terra Brasílis, a carpintaria fica por conta de: Lulu Santos, Renato Russo, Arnaldo Batista, João Daniel Ulhoa (o John do Pato Fu), só para citar alguns excelentes Marceneiros.


Longe de mim, querer encerrar o assunto, ou ter a pretensão de achar que o que eu penso é que é o correto. Isso é SOMENTE A MINHA OPINIÃO, fruto de pesquisas, preferências estéticas, vivências, às vezes meras relações sentimentais com a música, como qualquer mortal anônimo que sou. É que eu tô mais interessado na mágica. Se vem dos dedos de um Petrucci ou de um Pat Metheny com suas maravilhosas técnicas, das mãos de um de garoto de 17 anos que só sabe 4 acordes, não tô nem aí. Cada um tem o Harry Potter que lhe apetece, ou vários, ou prefere o David Copperfield. Mas, o toque que dou é: certifique-se que tipo de Pop você está falando, contextualize pra não correr o risco de colocar tudo numa mesma sacola e sair falando por aí, coisas sem fundamentação, lembre-se do outro sábio, o velho e bom bardo canadense Neil Young (novinho até hoje...) que há quase 40 anos atrás já dava o toque: rust never sleeps.

É isso aí cara. a ferrugem não dorme.